Um breve encontro com Ricardo Boechat

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Quando ainda era estudante de jornalismo no Rio de Janeiro, conseguir um estágio em uma assessoria de comunicação chamada Pic News, que pertencia a jornalismo Ana Davis, a primeira âncora de raça negra da TV Brasileira. No auge de sua carreira de jornalista, Ana chegou a dividir o balcão do  programa ‘TV Mulher’ com a então colega Marília Gabriela e, após alguns conflitos com a emissora, por conta da diferença de salário entre elas, acabou sendo demitida. Anos mais tarde, montou sua própria assessoria de imprensa, onde tive a brilhante oportunidade de estagiar por dois anos.

Meu papel, além de escrever releases para os clientes da assessoria, quando aprovados, claro, era levar o material de divulgação nas redações dos jornais carioca, como Jornal O Globo, Jornal do Brasil, o Extra, Jornal do Commércio, Folha Dirigida, e outros tantos menos importantes. Uma dessas entregas, foram as garrafas térmicas pintadas pelo artista plástico, nas horas vagas, João Uchôa Cavalcanti Netto, fundador da Universidade Estácio de Sá, um dos clientes da Pic News em meados de 1999.

Neste período, Ricardo Boechat era colunista do Jornal O Globo. E eu, um simples estagiário no quinto período de comunicação social, que andava de redação em redação com garrafas térmicas personalizadas e etiquetadas para serem entregues a determinados jornalistas. Os colunistas eram os que recebiam primeiro, pois gostam de ser tratados  com exclusividade. Então, em uma bela tarde de verão lá estava eu na redação do jornal o Globo para entregar pessoalmente a Ricardo Boechat uma das garrafas e, sem gaguejar, vender a nota para a sua prestigiada coluna. Para a imprensa carioca, aquele excêntrico artista, ex-magistrado e agora bilionário, era dono de uma faculdade que só em passar na frente de sua porta já estaria matriculado.

Um dos escândalos mais conhecida foi em 2001, quando o seu fundador concedeu uma entrevista polêmica ao jornal Folha Dirigida, afirmando que “na cúpula da Estácio quem tem mestrado e doutorado não entra. Isso é uma regra! Eu não me interessei pela educação e nem acho que eu seja uma pessoa muito interessada em educação. Eu sou interessado na Estácio de Sá, isso é que é importante.”

Naquele mesmo ano o programa Fantástico denunciou a aprovação de um semianalfabeto para seu curso de Direto na Estácio de Sá no vestibular 2002. O padeiro Severino da Silva, semianalfabeto, respondeu somente alternativas A e B em todas as questões da prova, além de não fazer a redação. O então diretor da Unesa, Marcelo Campos, atribuiu o desempenho de Silva a uma questão de sorte, já que o candidato havia escolhido cursar Direito no período vespertino em uma turma que contava com vinte vagas, porém somente 9 candidatos se inscreveram e assim Severino Silva se classificou em 9º lugar. Após o episódio, a realização da redação tornou-se obrigatória.

Para minha sorte, naquela época a Universidade Estácio de Sá era uma anunciante da maioria dos grandes jornais do Rio de Janeiro, o que não seria tão difícil convencer alguns colunistas e repórteres em divulgar as garrafas térmicas de Uchôa. Entrei na redação, e o primeiro que procurei foi Ricardo Boechat, que em sua mesa separada dos demais, me recebeu com muita alegância e sem arrogância a um jovem estudante de jornalismo entusiasmado em conhecê-lo. Boechat, não se conteve em me desafiar com perguntas sobre o curioso hobby do fundador da Estácio de Sá.

A rápida conversa foi interrompida por um telefonema, que tirou a atenção de Boechat sobre o assunto. Ao levantar a mão, entendi que ali havia encerrado a conversa, pois naquela ligação ele teria algo mais importante para ser divulgado, pois foi com esse tom de seriedade e respeito ao seus leitores que sempre tratou suas reportagens. Para mim, resta a memória de alguns pequenas minutos com esse profissional que vai fazer muita falta para ao jornalismo brasileiro.

Em seu último comentário jornalístico na Rádio BandNews FM, feito horas antes do acidente de helicóptero que o levou à morte nesta segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019, Ricardo Boechat falou sobre o que considerava ser uma “sucessão de tragédias” no Brasil. Ele citou o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que deixou até o momento 165 mortos confirmados e 160 ainda desaparecidos, além da morte de dez jovens da categoria de base do Flamengo, no final da última semana, entre outras tragédias. Ele destacou uma reportagem do jornal O Globo intitulada “Negligência e impunidade marcam tragédias no país”. “O levantamento feito pelo O Globo hoje mostra que as tragédias com grande número de vítimas ocorridos desde 2007 no Brasil não deram em nada”.

Quanto a nota das garrafas térmicas personalizadas do ex-dono da Universidade Estácio de Sá, falecido em 2012, foi publicada no dia seguinte em sua coluna com direito a foto do empresário com suas obras de arte. Após esse episódio, ainda passei algumas notas exclusivas para a sua coluna e falei com ele sobre algumas delas por telefone.

 

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